Teatro de Bonecos e a manipulação direta

O boneco é o termo usado para designar objetos que, representando figuras antropomórficas ou zoomórficas, podem ser vestidos, manipulados com varas, com cordas ou diretamente com as mãos. Sua manipulação pode se dar com ou sem o uso do tablado, por meio de fios, varas ou de forma direta. Nessa categorizarão, o boneco de manipulação direta destaca-se pela relação entre a ausência e a presença do manipulador, exigindo a complementação que ocorre no olhar do espectador, pois o bonequeiro não apenas é visto, como suas mãos estão diretamente em contato com o boneco, de forma que sem a complementação por parte do espectador a magia da manipulação se perde.
Analisemos cada um dos grupos de manipulação e suas respectivas técnicas. Os bonecos feitos para serem vestidos, os bonecos de luva, feitos de tecido ou espuma, são manipulados pela mão introduzida no interior do mesmo. Nessa categoria estão o Teatro de Mamulengos, no Brasil, e o Teatro Don Roberto, em Portugal. Também existem os bonecos manipulados à distância, por meio de fios ou por meio de varas. No primeiro exemplo, as marionetas ou bonecos de fios são manipulados de cima, suspensos por fios ligados a uma cruzeta de controle, cujo movimento se dá pelas inclinações na cruzeta e por puxões em cordas individuais, como pode ser visto na imagem abaixo. Essa técnica, muito antiga, proporciona uma grande riqueza de movimentos ao boneco, podendo imitar quase todos os movimentos do corpo humano.
Cena do espetáculo Tsuna-Yakata, da companhia japonesa Yukiza, criada no século XVI, um bom exemplo do uso das cruzetas tradicionais
Na segunda técnica, dos bonecos de vara, muito tradicional nas ilhas indonésias de Java e Bali, o boneco fica acima do manipulador, sendo suspenso por uma vara que atravessa seu corpo, chegando à cabeça e tendo seus braços movimentados por meio de outras varas menos espessas. Quanto mais complexa for a movimentação do boneco, mais pessoas devem estar envolvidas no processo, chegando a ter vários manipuladores em um só boneco.
Cena da peça Senhor dos sonhos, da Cia. Truks. Um exemplo de como o Bunraku foi adaptado para estéticas tipicamente ocidentais
Outra forma de manipular o boneco é movimentá-lo diretamente, sem fazer uso de qualquer aparato como fios ou varas. Diferente do boneco de luvas, onde também existe a manipulação direta, nessa técnica o boneco é manipulado de fora, sem ser vestido, usando a mesma lógica de manipulação usada por uma criança ao brincar de bonecos. O ancestral do moderno teatro de animação direta é o Bunraku, um modo de manipular o boneco surgido no Japão durante o período Heian (794-1185) e que se desenvolveu no Período Edo (1603-1868), consistindo no uso de três animadores, divididos por castas de importância, sendo o principal chamado de omozukai, responsável por mover a cabeça e a mão direita do boneco, o primeiro assistente chama-se hidarizukai e é responsável por manipular a mão esquerda, e por fim, o segundo assistente, o ashizukai, manipulará as pernas. Para anular a sua presença no palco, os atores eram ocultados por meio de roupas negras, fazendo do manipulador uma espécie de sombra do boneco.

Uma performance de Bunraku em Ōsaka, no Japão.
Acerca da manipulação, há, no teatro de boneco, o desafio de superar a cópia do movimento real do ser humano. Dada a própria complexidade do boneco, seu movimento será sempre hiperbólico. É nesse contexto, de uma estilização da ação humana, que o manipulador deverá buscar ser crível, mesmo sendo irreal. Diferente do teatro de atores, o teatro de bonecos permite que a personagem voe, dobre seu corpo de modo impossível ao corpo humano. Contudo, o exagero deve ser executado dentro de referências que mantenham equivalência à ação humana. Eis o desafio da manipulação direta: manipular crivelmente o boneco sem abandonar as possibilidades que somente ele possui.

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